quinta-feira, março 02, 2006

Adeus

A tua doença era séria, todos sabíamos disso, a forma como teríamos que a enfrentar era com toda a dureza que a mesma nos obrigava. Sabíamos que o fim seria algo inevitável, mas como sempre nunca estamos à espera que isso aconteça, hoje, amanhã, depois.

Deixaste-nos no Domingo a poucos minutos do início de mais um jogo do teu clube, do teu Glorioso, ainda para mais frente aos “tripeiros”, como lhes chamavas.
Mas, tu estiveste lá, naquela cadeira vazia do Topo Sul do Estádio, estiveste lá, eu sei, a ver aquele golo a lembrar tantos que viste, marcados por aquele menino de Lourenço Marques que levantava o estádio.

Estiveste. Como estiveste comigo tantas tardes, tantas noites, a gritar, a vibrar, sempre com toda aquela tua calma, pedindo para que eu esperasse porque a vitória era certa.
Mas, tu não foste só aquele “carequinha” que comigo caminhou para a Catedral, tantas e tantas vezes, foste o meu segundo pai, foste o meu companheiro de tardes por baixo das videiras de uva americana, que tanto gosto tu tinhas em cultivar.
Foste tu, quem me mostrou o campo, e a sua beleza, os pinheiros, as macieiras, as oliveiras, os riachos por entre os vales, que correste para me ajudar no fogo, para preservar as casas e terrenos.

Foste o homem que comigo chorou em 92 quando deixei para trás os meus pais naquele país africano, que tanto gostava, e que a guerra me tinha obrigado a voltar à casa mãe.
Serás para mim sempre o meu guardador de sonhos, o meu confidente, que me ajudou na enfrentar as adversidades, com a calma que por vezes eu não tinha, e que tu transbordavas.
Nos últimos tempos, custou-me imenso ver-te passear, se é que assim o pudemos dizer, pelos cantos daquele lar onde lutavas por esse bicho chamado cancro.
Caíste, levantaste-te, lutaste, mas não foi possível.
Agora, passados que estão dois dias, da tua última viagem, onde passaste para te despedires da tua cadeira, eu tenho a obrigação de escrever isto, OBRIGADO AVÓ, por tudo o que fizeste, por tudo o que me deste, pela força que sempre demonstraste.
Felizmente haverá sempre muito por recordar, muito em que pensar, e te deixo a promessa de ser menos impulsivo como sempre me pediste.
Quanto ao resto, estarei sempre contigo lá, onde tu sabes, porque a estarás sempre comigo na felicidade do golo, na tristeza da derrota, e na alegria da vitória, tanto na vida como na bola.

Mais uma vez, obrigado Avó, e até um dia destes.
Encontrar-nos-emos com toda a certeza na nuvem azul que te reservaram neste céu imenso.